O Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro moveu ação civil pública contra a União e o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) por censura à peça “Caranguejo Overdrive”, da companhia teatral Aquela Cia de Teatro, nesta quinta-feira, 22.
O pedido de veto à encenação foi feito pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) em setembro do ano passado, e teve como base uma queixa de um espectador que reclamou de um suposto conteúdo “político-ideológico” na apresentação.
O MPF, no entanto, discorda da crítica desse provável espectador, que teria procurado o CCBB para se queixar. À época a companhia de teatro havia fechado um contrato mediante edital de patrocínio no qual a peça de teatro fora escolhida.
Sueli Voltarelli, diretora-geral do CCBB do Rio, teria pedido ao produtor do grupo teatral para que modificasse o conteúdo do roteiro, o que foi prontamente recusado pela Aquela Cia. de Teatro. O contrato foi, então, rescindido pelo CCBB.
Segundo o MPF, o CCBB não indicou concretamente qual o trecho da peça ou de seu texto que violaria cláusulas contratuais, e sequer tinha certeza sobre a veracidade do relatado pelo espectador. No entendimento do MPF, “ficou caracterizada a inexistência de motivo lícito para rescindir o contrato, e a suposta violação contratual invocada pelo CCBB foi apenas um pretexto para tentar justificar a censura de conteúdo artístico imposta”.
De acordo com o procurador Antônio do Passo Cabral, que assina a ação, o cancelamento do espetáculo foi feito sem qualquer embasamento constitucional ou legal. “A União, por meio da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, solicitou previamente o envio de cópia integral dos textos e vídeo dos espetáculos, a fim de controlar o conteúdo. Posteriormente, emitiu ordem para que o CCBB cancelasse as apresentações da peça “Caranguejo Overdrive”, operando indevida censura ao espetáculo”, disse o MPF em nota.
Cabral entendeu que a apresentação teatral não tem conteúdo político-ideológico, tampouco partidário ou eleitoral. O inquérito civil apurou que “o espetáculo narra a história de um ex-catador de caranguejos no mangue carioca, e passa por diversos períodos históricos (começa na época da Guerra do Paraguai até os dias atuais) e menciona várias personagens (inclusive governantes), como José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef, Michel Temer e Jair Bolsonaro. A peça faz uma crítica social a partir de uma abordagem histórica, e retrata a indignação dos brasileiros com a classe política em geral, sem diferenciar qualquer episódio a depender de partido ou inclinação ideológica ao centro, direita ou esquerda”, conclui o MPF.
Na ação, que foi distribuída à 22ª Vara Federal do Rio de Janeiro, o MPF requer a condenação para que a União “se abstenha de tomar qualquer conduta que crie obstáculo à apresentação do espetáculo, bem como se abstenha de emitir qualquer ordem de censura ou similar a partes ou trechos da peça”.
Quanto ao CCBB, o MPF pediu que “seja condenado à retomada da exibição da peça, inserindo-o na sua programação, custeando-o nos mesmos termos do contrato anterior, ilicitamente rescindido, e com idêntica retribuição pecuniária, a fim de que seja encenada no mínimo pelo período originalmente contratado e exatamente no número das sessões originalmente previstas antes da censura”
Procurado por VEJA, o Banco do Brasil se manifestou em nota. “O Banco do Brasil nega a existência de qualquer tipo de censura em sua programação e informa que prestou os esclarecimentos necessários sobre o assunto ao Ministério Público do Rio de Janeiro. O BB esclarece ainda que não foi notificado em relação à ação civil pública”, diz o texto.
A Secom, por sua vez, pediu à reportagem que procurasse a Advocacia-Geral da União, que irá se manifestar somente nos autos.